O debate que envolve a questão da servidão voluntária nao é a respeito do porquê uma pessoa se submete a outra ou a um grupo, pelo uso da violência ou por imposição de alguma força, mas sim se pelo fato de ser possível que uma maioria de pessoas sirva voluntariamente a uma minoria.
Etienne de La Boétie em seu texto “Discurso sobre a servidão voluntária” exemplifica que uma das causas seria o hábito: as pessoas servem voluntariamente pois estao habituadas a isso. Para tal questão Rousseau contribui com uma solução : se é voluntario bastaria não servir. Defendendo o principio do pensamento libertário, sendo esse uma tentativa de apresentar resistência a diferente opressões no cotidiano dos homens.
Assim Rousseau olha para a sociedade civil enxergando uma sociedade contratuaria que assina um pacto que acabou por exercer um limite direto a seu exercício de liberdade. Se preocupa em compreender os mecanismos dessa sociedade e apresentá-los a seus contemporâneos para que esses viabilisem uma restituição dessa liberdade. Podemos compará-lo com o conceito de servidão voluntária apresentada pelo autor La Boétie que renega as justificativas da teoria apresentada na obra de Hobbes. Ambos os autores apresentam visões contrárias sobre a situação: Enquanto Hobbes assiste com otimismo a essa relação, La Boétie e Rousseau enxergam com descrença e pessimismo a condição de servidão.
A guerra de todos contra todos, a amedrontadora liberdade do estado de natureza, são motivos que, para o “autor maldito”, justificam a instituição de um soberano, que embora possa causar medo aos seus súditos, mas jamais o terror do estado de natureza. Hobbes enxerga esse cenário de maneira positiva: acredita na presença de um soberano como grande regente da sociedade, que deve utilizar de todos os seus meios, de poder ilimitado, para a sua perpetuação e manutenção no poder. Isso se apresenta a ele como uma rebuscada forma de organização social: A sociedade perante um contrato e o Estado a fim de otimizar essa sociedade. A liberdade pra ele é uma idéia retórica; A igualdade gera a guerra.
Esse conceito de igualdade é apresentado de maneira diferente por Rousseau uma vez que esse ao criticar o surgimento da propriedade privada a partir da competitividade entre os homens, expressa sua vontade de construir um Estado de igualdade. Rousseau propõe que o pacto social seja uma concessão voluntária de direitos, de toda a comunidade pra a própria comunidade, não para o soberano como diria Hobbes. É o único autor que não legitima o governo de um só, o de pocos ou da maioria, legitima o conceito da vontade geral, o governo é necessário porém tem que se submeter ao povo , o soberano para Rousseau é a coletividade.
Seriam a liberdade e a igualdade traços naturais dos seres-humanos?
Esse é um dos questionamentos apresentado por La Boétie, que concorda que não haveria subordinação se essa não fosse aprovada pelos homens, que se deixam escravizar, que se subordinam voluntariamente.
Pode se dizer que essa concepção também possui tendências contratualistas intimamente ligada com a de Hobbes, mas que não pode jamais ser considerada absolutamente de acordo por razões que virão a seguir.
Para La Boétie, esse contrato não é tão consensualmente firmado entre súditos e governantes como a obra hobbesiana sugere. A origem da submissão dos homens está na renúncia de sua liberdade por serem forçados ou por serem iludidos por algum tirano, que não costuma apresentar nenhum traço moral diante da sua condição de governante, nem agir de forma que não seja inescrupulosa, cobrando uma submissão penosa que culmina na escravidão.
Diante desse retrato, os escravos, os subordinados, se vêm sem uma força impetuosa para a mudança de sua condição. A perpetuação dessa situação de subordinado por anos, cria nos escravos uma profunda impressão que os faz enxergar sua realidade de maneira alienada, como se tais condições de escravidão fossem naturais: Uma servidão voluntária e alienada, pois não conhecestes antes o estado de liberdade.
Hobbes enxerga as origens da submissão e da figura do soberano derivadas de uma necessidade de organização, de contrato social. Como já foi dito La Boétie relativamente compartilha, em alguns aspectos, dessa visão: Concorda, relativamente, com algumas origens, ao dizer, por exemplo, que a servidão é voluntária, idéia ligada a de contrato social. Porém, jamais aceitará essa condição da maneira virtuosa e dotada de racionalidade como Hobbes parece definir. Para ele, mais vale analisar, achar as origens e razões de por que os homens se submetem a uma condição tão indigna como a tal.
Do mesmo modo é a incompreensão do estado de servidão que interessa a Rousseau, critica a propriedade privada por ser a origem da desigualdade material e consequentemente da desigualdade moral e política entre os homens. Diante da desigualdade material, Rousseau pergunta: o que foi feito para que houvesse essa desigualdade e porque essa foi legitimada? Olha para a razão e para a ciência e encontra nessa forma de enxergar o mundo, uma forma não só de manutenção das instituições mas também uma forma de manutenção da opinião das pessoas a respeito dessas instituições, o que faz com que essas pessoas se submetam e aceitem a servidão voluntária.
Rousseau sugere que pensemos em um recurso educacional que faça com o que o homem enxergue a realidade com outros olhos para que possa contestar essa realidade. Para ele, o estado de natureza e a liberdade natural são ambos hipotéticos e inatingíveis, uma vez que os homens já se constituíram em uma sociedade civil e portanto, assim como denomina o autor, em uma liberdade civil: “O homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se aprisionado”. Ao fazer essa análise sobre a sociedade e sobre sua respectiva servidão voluntária, Rousseau não olha para a política como uma forma de compreender um Estado existente, mas como uma forma de construir um Estado melhor.